Assistir ao caubói do BBB em 4K é um desperdício

Minha irmã meteu essa outro dia, quando a gente falava sobre o BBB. Ela costuma brincar comigo por que eu não gosto de assistir séries e filmes com resolução inferior a 1080p. Quem é da geração orkut lembra que a gente baixava aqueles rmvb xexelento, 320p, pra assistir Naruto ou Dexter no Real Player.

Essa minha “frescura” tem um método: filmes e séries? no mínimo 1080p. Agora, um react do Casimiro, ou um corte da entrevista do Gabigol no Podpah? Aí vai no que der. Show do Turnstile filmado pelo Hate5six? Esquece, mete 4K. Reels de gatinho fofo? Nem penso na qualidade do vídeo.

Podemos encontrar uma possível origem dessa discussão no século XX, no pensamento sobre a imagem em movimento, que comparava a imagem do cinema e a imagem do vídeo (ou da televisão). Esse era um debate que já carregava questões levantadas na crítica sobre a fotografia: a natureza da imagem fotográfica, mais ~tecnológica~ do que ~artística~, fazia com que muitos pensadores buscassem diferenciar a estética do cinema – a versão em movimento da imagem técnica flusseriana – e do vídeo a partir de suas peculiaridades tecnológicas.

Durante quase todo o século XX, a imagem vídeo foi de mais baixa qualidade do que a imagem cinema. A matriz física da película garantia ao cinema uma escala de projeção e qualidade de resolução muito maior do que o vídeo, uma imagem “imaterial” que sofre muita interferência das traquitanas que possibilitam a sua transmissão. Com isso, o apelo do vídeo era outro: a velocidade de transmissão e a facilidade de produção e exibição fizeram com que o vídeo se tornasse mais popular, ainda que abdicando de algum tipo de “excelência” visual. A imagem do vídeo era suja e tosca por natureza, e se populariza num momento em que o cinema já havia conquistado algum prestígio, deixando de ser somente artifício do entretenimento para ser também um suporte de expressão artística.

Com a imagem digital, essa discussão perde muito do sentido. Essa foi uma brisa que eu cheguei “sozinho”, mas que depois me vi confirmado pelo Lev Manovich:

a informatização da vida fez com que todos os tipos de imagem se tornassem a mesma coisa: arquivos de computador.

Seja uma videoarte do Nan June Paik, seja o Sharknado, seja o Moranguinho Malando do Hermes e Renato, tudo pode se tornar um arquivo .rmvb que você baixou em 320p numa comunidade do orkut.

Como o próprio Manovich fala, essa sincronização faz com que a diferenciação dos tipos de imagem (da produção gráfica, dos diferentes tipos de pintura em tela, da fotografia, do vídeo, etc) no mundo digital tornam-se apenas estilos estéticos (ou, no extremo, filtros do Instagram ou prompts para o Midjourney).

Parece simples, mas essa é uma questão delicada que atravessa muito os criadores. Criadores batalharam para que a Netflix não liberasse a função de acelerar vídeos na plataforma. Ao mesmo tempo, é cada vez mais comum gente que assiste filme no celular no ônibus, assiste tutoriais no YouTube em 2x de velocidade e por aí vai. Há uma tensão no ar entre quem cria conteúdo com um determinado parâmetro de qualidade e um público cada vez mais pressionado pelo excesso de conteúdo da vida contemporânea.

Portanto, fica aí a dica: se você for assistir ao primeiro Alien do Ridley Scott, faça-se o favor e chama num mkv 4K no Piratebay. Pro BBB, vai no que dá; 4K é pixel demais pra ver a cara do Gustavo Caubói.